quinta-feira, 20 de outubro de 2011

MOBILIDADE DOS EXCLUIDOS - Revista Bicicleta


MOBILIDADE DOS EXCLUIDOS É COMUM PEDESTRES E CICLISTAS SEREM CRITICADOS, E COM RAZÃO, POR NÃO RESPEITAREM AS SINALIZAÇÕES DE TRÂNSITO, EM ESPECIAL OS SEMÁFOROS. ISSO É FATO. NO ENTANTO, É NECESSÁRIO ENTENDER O QUE HÁ POR TRÁS DE UM COMPORTAMENTO EM MASSA CONTRA AS REGRAS.


As cidades do Brasil privilegiam a fluidez dos veículos automotores, sendo que as rotas dos pedestres e dos ciclistas não são delineadas, muito menos sinalizadas.
Os pedestres e os ciclistas, excluídos da mobilidade urbana, sem infraestrutura como calçadas, ciclovias, ciclofaixas, sinalização e respeito enquanto cidadãos, caem na marginalidade e a palavra “marginal” tem a mesma semântica de “ilegal”.
Tudo isso é consequência da exclusão dos modais “a pé” e “de bicicleta” no planejamento urbano de nossas cidades. Pedestres e ciclistas são excluídos, são “o resto”, portanto marginalizados e daí caem na ilegalidade. Cidadão sem direitos é consequentemente um cidadão sem deveres.
Portanto, embora errada a atitude da população em não respeitar a sinalização de trânsito, é importante entendermos que essa desobediência civil é uma evidência de que está passada a hora de se mudar o conceito do uso do espaço público de nossas cidades.
Falta educação, mas falta adequação também.
São Paulo, por exemplo, é uma cidade onde 80% do espaço público é ocupado para a circulação ou estacionamento em vias públicas de carros. Mas os automóveis atendem apenas 28% dos deslocamentos urbanos. Veja a discrepância!
Os veículos particulares paralisam a cidade, são responsáveis por 70% da poluição do ar, atropelam e matam 4 pessoas por dia e geram um custo social enorme. Mesmo assim a política pública não estimula o transporte público, e concentra seus investimentos em novas avenidas e viadutos que, muitas vezes, não permitem sequer a passagem de pedestres, de ciclistas ou mesmo de ônibus.



Exemplo disso é a Ponte Estaiada Otávio Frias, aquela que enfeita o fundo do noticiário da Rede Globo. Essa ponte sacou 300 milhões dos cofres públicos e não permite a passagem de pedestres, de ciclistas e de ônibus.
A Avenida Paulista é outra aberração. Enquanto um milhão e meio de pedestres circulam por suas calçadas, apenas 60 mil cidadãos nela trafegam em 50 mil veículos por dia. Um pedestre leva no mínimo 5 minutos para mudar de calçada e atravessar uma esquina devido ao tempo dos semáforos e a falta de faixas de pedestres na diagonal.
E para piorar, a velocidade máxima permitida aos carros na Paulista é de 70 km/h! As chances de sobreviver a um atropelamento a 70 km/h são próximas de zero, assim os pedestres ao atravessarem a avenida, cruzam um corredor de balas guiadas por seres humanos suscetíveis a falhas e terão morte certa no caso de um erro.
Somente em SP, cerca de 12 pessoas morrem vítimas da poluição, em dias de inversão térmica esse número sobe a 20. Em média, 17% dos leitos hospitalares estão ocupados por doentes decorrentes da contaminação do ar. Esse custo é pago pelo estado e pela população, e não pelos seguros dos automóveis.
No mundo, 250 mil crianças morrem atropeladas por carros ao ano. Acidente de carro é a principal causa de mortes de crianças e adolescentes.
Voltando ao tema inicial, é comum os noticiários atribuírem a culpa da morte de um atropelado à própria vítima que teria atravessado a rua em “lugar impróprio”. 62 % dos mortos em trânsito na capital são pedestres e ciclistas. Nós somos as vítimas!
A esmagadora maioria das pontes, dos viadutos, das direitas livres não tem faixa de pedestre, e os cidadãos a pé são obrigados a atirarem-se em meio aos carros para se locomover. Sem falar que é comum as faixas de pedestres estarem longe de onde existe a real demanda de pedestres. Não atendem a lei do mínimo esforço que deveria prevalecer aos pedestres e aos ciclistas.


Nunca em minha vida vi aqui na cidade um fiscal da CET sequer advertir algum motorista que, ao virar à direita, tenha desrespeitado o cidadão na faixa de pedestre. Muito pelo contrário, a atitude dessa autoridade de trânsito em geral é de acelerar essa conversão para melhorar a fluidez dos veículos.
Esse modelo está tão enraizado como “normal” na população, que todos os pedestres atravessam as ruas com medo, correndo, acuados e “saindo logo da frente”, atitudes de excluídos.
Essa anormalidade vai além. Uma breve pesquisa sobre as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, em relação a atropelamentos, prova que o pedestre nunca tem razão se estiver fora da faixa. Mesmo na própria faixa, existem casos que o pedestre foi considerado culpado “por não ter prestado atenção”.
Veja bem: eu estou focando os pedestres, pois caminhar é a forma mais natural de se locomover, imagine então pedalar! Se o pedestre é excluído, o ciclista é ainda mais.
Até pouco tempo, as ocorrências com ciclistas eram consideradas como com “outros”. No prontuário da CET havia como qualificar atropelamento de pedestres, de motociclistas, de animais, de carroças e de “outros”. Ciclistas sequer figuravam como possíveis vítimas.
Uma das formas para mudar esse processo seria “condenar” essas autoridades todas - os políticos, sobretudo os do executivo, os juízes, os fiscais da CET, os motoristas com pontos na carteira, os secretários de transporte, enfim toda essa turma que acha “normal” essa situação - a simplesmente caminhar ou pedalar pelas ruas de nossas cidades.
A única forma de mudar esse cenário é vivenciar o problema. Assim, antes de condenar a atitude “ilegal” dos pedestres e dos ciclistas, é necessário experimentar “in loco” a mobilidade urbana dos excluídos.
Esses “excluídos” são a esmagadora maioria da população, uma vez que 38% dos deslocamentos urbanos de São Paulo são feitos exclusivamente a pé. Isso significa que esse cidadão não combina seu deslocamento com nenhum outro modal, vai exclusivamente a pé.

O principal equipamento urbano que um pedestre necessita são calçadas e estas são da alçada do dono do terreno, ou seja, enquanto investe-se um zilhão de dinheiro na estrutura para os que vão de carro e muito pouco para o transporte público, o estado cruza os braços para as calçadas e nem se dá ao luxo de fiscalizá-las.
Para finalizar, não há esperanças de respeito aos ciclistas por uma sociedade que não respeita os seus pedestres!

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