quinta-feira, 7 de abril de 2011

Bicicleta é coisa de pobre ou problema cultural?

Bicicleta é coisa de pobre

Por Carlos Menezes*

Objeto de desejo da maioria dos seres humanos, o carro, está presente na lista dos sonhos de consumo da maioria dos brasileiros. Isso simboliza a conquista da liberdade, aquisição de autonomia. Aqueles que possuem seu próprio carro, é como se tivessem passado por um ritual de transição. Ter seu carro significa ter poder, ser bem sucedido. Mas não basta ter, é preciso ostentar. Assim as pessoas estão sempre procurando trocar o seu veículo por outro melhor, pois quanto maior e mais imponente o carro, mais importante e respeitado é a pessoa.

Você pode até dizer: “Mas não é bem assim”.

Não? Eu pergunto.

Então experimente começar a se deslocar dentro da sua cidade sem carro durante uma semana. Imagine-se naquela confraternização da empresa, de repente você levanta antes de acabar e diz de peito aberto que precisa ir embora mais cedo, se não perde o último coletivo ou metrô.

Quando todos os amigos combinarem de se encontrar na lanchonete para bater um papo, você sabe que aquela garota que você está paquerando a um bom tempo estará presente. Enquanto todos chegam e encostam seus carros na porta, você chega com sua bicicleta e ainda pergunta se pode colocá-la dentro do estabelecimento, pois tem medo de que seja roubada.

Complicado, não é mesmo?

Mas onde está o problema?

O problema é cultural.

Aprendemos que aquele que não possui seu próprio veículo é limitado. Isso é embutido em nosso subconsciente por meio de filmes, novelas, comerciais, propagandas em revistas, e até mesmo nos brinquedos infantis.

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A indústria do automóvel move milhões e gera milhares de empregos e isso é muito bom para qualquer país. Mas qual é o custo do pós venda? Milhões de reais necessitam serem gastos para criar infra-estrutura suficiente no deslocamento desses veículos no dia-a-dia. Mas o pior de tudo é que por mais que se invista em infra-estrutura, sempre é insuficiente para que os problemas de transporte sejam resolvidos. Isso porque enquanto o investimento em novas vias para deslocamento dos carros tem um crescimento equacional, a venda de veículos tem crescimento exponencial, some a isso os custos para manutenção da estrutura que já existe.

Pude presenciar no centro de Londres, capital da Inglaterra, ruas sendo “estreitadas” para construção de calçadas. E fico pensando quando isso acontecerá no Brasil. Na frança é comum ver mulheres com seus saltos altos, meias finas e bolsas de grife pedalando suas Bicicletas a caminho do trabalho. A Holanda possui uma cicloviaria maior que a malha rodoviária, e o numero de bicicletas é maior que o numero de habitantes. Isso sem dizer que nesses países os ônibus coletivos e os metrôs funcionam de maneira integrada e com um único bilhete você pode sair de um e entrar em outro desde que não ultrapasse o tempo de 10 minutos de intervalo.

A Holanda sempre apresentou problemas por estar localizada abaixo do nível do mar e com isso desenvolveu tecnologias que bombeiam a água de volta para o mar e ainda criou dicks para estancar a água. Estudos indicam que se não fossem esses artifícios, 70% das suas áreas produtivas estariam debaixo d’água. Com o aquecimento global e o consequente aumento dos níveis dos oceanos, esse país seria o principal prejudicado. Com isso já se estuda o aumento dos valores de impostos para que os veículos automotores diminuindo a sua circulação e a emissão de compostos de carbono na atmosfera, minimizem os efeitos do aquecimento.

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Então eu me pergunto: Será mesmo que Bicicleta, Ônibus, Metrô é coisa de pobre? Não é por acaso que esses países estão entre os países mais ricos e desenvolvidos do mundo. Pobre é quem se fecha dentro da sua redoma de aço e se julga intocável. Passa horas parado em engarrafamentos acreditando ter o poder e o controle da situação.

Mas o que mais me motiva é pensar o quanto as coisas mudam ao longo do tempo. Nos anos 70 Hollywood vendia a imagem de que pessoas bem sucedidas deviam estar sempre com um cigarro nas mãos. Atores famosos apareciam mergulhados em fumaças de cigarro e os grandes galãs sempre davam uma grande tragada de cigarro antes de beijar a tão linda e desejada estrela hollywoodiana. Assim milhares de pessoas em todo mundo introduziram o tabaco no seu dia-a-dia. Com o passar dos anos, as autoridades perceberam que o valor gasto em saúde é varias vezes superior aos benefícios oriundos dos impostos recebidos dessas indústrias juntamente com os empregos gerados. Assim percebemos uma mudança extraordinária nessa visão. Atualmente fumar já se tornou um ato deselegante e pessoas que fumam precisam procurar por locais separados para que eles possam fumar sem incomodar os demais. Atendentes com cheiro de fumaça de cigarro são evitados por empresas, por relacionar a sua imagem a de pessoas descuidadas com si próprias. E como alguém que não cuida bem de si mesmo poderá cuidar da empresa de terceiros?

Pensando novamente na mobilidade urbana, qualquer pessoa que procura ler e se informar sabe que as vias públicas se tornaram inviáveis na maioria das cidades brasileiras. Em poucos anos presenciaremos São Paulo parar em função dos seus mega engarrafamentos. Mas a exemplo dos cigarros, tenho certeza que a consciência ecológica e social ainda entrará na moda. E poderemos ver pessoas se movendo pelas vias publicas por meio de coletivos, metrôs, bicicletas e carros (em menor proporção) Isso representará um ganho imensurável, para a saúde pública, o meio ambiente, a cidadania e o respeito ao próximo.

Conheço e invejo muitas pessoas que deixam seus carros e motos em casa e utilizam sua bicicleta no dia-a-dia, faça chuva ou faça sol. São pessoas bem resolvidas o suficiente para não se importarem com o que as pessoas pensam a respeito delas. Simplesmente agem da maneira que julgam certo e pronto. Recentemente em uma roda de amigos, um de nós disse: “Sou louco pra adotar a bike no meu dia-a-dia, mas não abro mão do conforto do meu carro” de imediato outro retrucou: “Não vejo nada demais na sua atitude, mas assim como eu, apenas terá de saber não abrir mão, do excesso de peso, das altas taxas de colesterol no sangue, do cansaço diário ao final do dia, do aumento da probabilidade de infarto do miocárdio e ainda estar disposto a se dispor de boa parte do conforto acumulado para pagar as despesas de saúde à medida que a idade avançar.”

Quem realmente é pobre?

Bem, tudo vai depender da régua utilizada para mensurar.

*Carlos Menezes é biólogo e mestre em Genética e Bioquímica pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Atuou Atuou como coordenador do curso de Biologia da ULBRA nos últimos nove anos. É Fitter com Chancela Marcelo Rocha Assessoria Esportiva, criador e redator do site BioCicleta. Colunista das revistas Cultura & Cia e Revista Bicicleta. Ciclista convicto, Carlos é cicloturista pela Federeção Paulista de Ciclismo e atleta de Mountain Bike. Atualmente atua como Fitter da Bike Fit Carlos Menezes
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